O Brasil sempre teve uma música de primeira
linha, primeiramente com a bossa nova que arrepiou corações desde seu
surgimento nos momentos finais da década de 1950 e depois a com a tropicália na
década seguinte e posterior, mas o que sempre matou foi à disposição do
brasileiro a ir buscar lá fora as suas referências musicais, mas a culpa também
tem outras fontes e por isso muita gente boa ficou mofando no esquecimento até
ser descoberto e os que ainda estão por ser descobertos ficam lá na caverna
respirando o cheiro do mofo cobertos patina, eu não estou falando Cartola.
Temos músicas boa hoje? Sim, temos é lógico e
as referências do passado? Onde estão? Não estou falando de Caetano, Chico,
Gilberto e das outras musas da MPB, eu estou falando do nosso rock que por
incrível que pareça não foi um mero emulador do que os St)ones ou do que os
Beatles fizeram, nada disso! Muita gente conhece a Rita Lee pelo trabalho dela
na década de 1980, os hits que não faltaram para decorar as memórias dos
sobreviventes e hoje fazem esse trabalho na memória cristalizada das novas
gerações , mas nem fazem ideia que a eterna musa do rock brazuca começou a sua
trajetória nos anos de 1960.
Ela e os irmãos Arnaldo e Sérgio formaram Os
Mutantes, essa banda foi algo inédito na história musical desse país, o som com
guitarras elétricas (algo inovador e odiado também) derramando um ar lisérgico,
divertido totalmente experimental fazia pulsar uma energia renovadora e
catártica. Fãs de Beatles assim com os demais jovens de sua geração que pegaram
em guitarras para formar as suas bandas o trio ao invés de tentar ser mais uma
versão tupiniquim do caras olhou para o background musical e cultural nacional
e fez uma fusão arquitetônica que deixava todos e quaisquer artistas pensativos
e nem pintores como Paul Gauguin, Van Gogh conseguiram ser tão expressivos em
suas cores e traços e influências diligentemente buscadas no oriente e África.
O trio criou uma massa sonora que incorporou
os gêneros musicais da terra e fez um fusão com o rock psicodélico e
experimental criando um amalgama sonoro genuinamente brasileiro que se faria
conhecer no além mar, ou seja, no velho continente. Quem lançou o trio? Ronnie
Von, o cara para quem não conhece tinha um programa de televisão e além de ser
cantor de rock e fã de Beatles, e foi lá que ele lançou o trio, e outra o
programa dele era bem mais legal do que o do Roberto Carlos e a sua Jovem
Guarda que nessa época já estava entrando na reta final.
O primeiro disco dos Mutantes é aquela obra
prima que você chega e fala: “Esse é o Sargeant Peppers desses caras”, o
produtor foi o maestro Rogério Duprat e isso num primeiro momento pode até
causas estranheza pelas diferenças musicas, mas o maestro soube muito bem
captar a sonoridade e o ímpeto da rapaziada e deve ter se esbaldado com eles. O
disco abre com “Panis et Circensis” (em português significa Pão e Circo), a
música de autoria de Caetano Veloso e Gil foi um presente deles para o grupo, o
que se tem é uma crítica a ditadura e a classe média brasileira mais preocupada
com o próprio umbigo, ou seja, o jantar do que acontecia no país.
A faixa seguinte é “Minha Menina” de Jorge
Ben e tem até uma versão em inglês cujo título “She is my Shoo Shoo”. Depois tem “O Relógio” uma ótima música e
lembra um dos contos de Allan Poe, pois o relógio assim como no conto não é só
a contagem do tempo, a chegada de alguém e sim a ligação da vida e da morte,
ele deixou de funcionar assim como as coisas na vida deixam de funcionar porque
mudaram como é natural em tudo que é dialético.
"Maria Fulô", autoria de Leonel de
Azevedo e José de Sá Roris, aparece numa roupagem de samba conduzida por
instrumentos característicos remetendo ao passado escravocrata do nosso país,
que ainda produzia e produz as relações e estrutura coloniais, a vida de seca e
miséria no sertão do país. “Senhor F” mescla jazz, guitarras distorcidas e o
pop com ar debochado para criticar a influência negativa das tecnologias de
massa como a televisão e o rádio que já haviam invadido simultaneamente as
milhares de casas da classe média brasileira.
"Baby" é daqueles hits que marcam uma geração e servem apenas
para completar o álbum, ou eja, é algo puramente comercial, a canção de Caetano
não era ruim, mas já era bem batida e existiam várias versões, a Gal Costa no seu
segundo álbum tinha uma versão dela só que diferente.
"Le Premier Bonheur du Jour" é uma
canção dos compositores franceses Frank Gérald e Jean Renard, gravada
originalmente por Françoise Hardy, a versão dos Mutantes, rock psicodélico, foi
cantada em francês mesmo e tem participação de Caetano nos vocais. “Trem
Fantasma” é fruto da parceria entre o Caetano e a banda, o nome vem daquele
brinquedo dos parques diversões que causava arrepios e a letra narra bem essa
viagem fantasmagórica de poucos minutos que para alguns era uma eternidade.
“Tempo no Tempo” é uma versão em português
dos Mutantes da canção "Once Was a Time I Thought", escrita
originalmente por John Phillips para seu grupo The Mamas & The Papas, a
letra é uma bela crítica social, os arranjos de guitarra e baixo e a voz de
Rita Lee se destacam. O encerramento da obra é com a peça instrumental “Ave
Gengis Khan” e nela percebe-se elementos que diriam ao longo dos demais álbuns
os rumos que o grupo inevitavelmente seguiria.
A obra prima é essa ai e é genuinamente
brasileira e o sucesso dela atravessaria o além mar e como já disse atingiria o
velho mundo e em 1969, Os Mutantes iriam a França mostrar a sua força sonora
altalmente lisérgica uma experiência para ser devorada com todos os sentidos e
entender de uma vez por todas que o Brasil tem os seus encantos. Esse disco
captura e emula o espírito daquela época que o país vivia e recaia como um
grito de liberdade e rebeldia contra todos os padrões hipocritamente
estabelecidos. Enfim é um disco que todos os brasileiros deveriam conhecer e se
questionar sobre o que andaram ouvindo e perceber que o passado sempre tem uma
lição, um recado para o presente e o primeiro e mais importante é liberte-se.
Lista de músicas
01 Panis et Circensis
02 A Minha Menina
03 O Relógio
04 Adeus Maria Fulô
05 Baby
06 Senhor F
07 Bat Macumba
08 Le Premier Bonheur
du Jour
09 Trem Fantasma
10 Tempo no Tempo (Once Was a Time I
Trought)
11 Ave Gengis Khan
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