O Black Sabbath começou a sua carreira
virando o mundo da música de cabeça para baixo, ou seja, aquela música pesada,
um blues de guitarras distorcidas cheios de riffs e solos trovejantes
acompanhados de uma instrumental que sustentava aquela anarquia sonora que se
locupletava com letras sombrias de deixar qualquer pessoa de cabelos em pé, foi
assim que aconteceu na sexta feira 13 de fevereiro, em 1970, o heavy metal
surgia para atormentar as famílias que estavam ainda acostumando-se a ver seus
filhos e filhas encantados com a sonoridade da década anterior.
Quando Paranoid surgiu às coisas não foram
diferentes, pois ao invés de falarem do sobrenatural, os caras preferiram
mostrar como o mundo que viviam era sujo, porém algo havia mudado no som dos
caras, mas áurea sombria, gótica permanecia ali o que havia de fato acontecido
era um amadurecimento parte de um processo evolutivo que seria o fio condutor
do grupo ao longo de sua carreira, pois cada álbum seria um número, ou seja,
parte de um quebra cabeças complexo. A confirmação veio em 1971, com Master of
Reality, o som mais uma vez evoluíra e ficará ainda mais bruto, porém as letras
ainda que diversas possuíam um forte apelo social e mais uma vez mostravam as
mazelas do mundo que muitos não gostavam e de ver ou de lembrar-se as
empurrando para debaixo do tapete.
Em 1972, o Black Sabbath construiria um
caminho sem volta nesse longo processo, a sonoridade daria um salta ainda mais
ousado, o quarto álbum intitulado apenas de Volume 4 trazia composições mais
elaboradas que os anteriores mostrando um refinamento singular, algo inerente
aos gênios e as letras agora não falavam e nem mais denunciavam o mundo que
viviam, mas contavam outros fatos da vida, aspectos psicológicos, estados
mentais, abusos de drogas e fugas da realidade. O ápice foi atingido com
Sabbath Bloody Sabbath, 1973, o álbum trazia as composições ainda mais
elaboradas com arranjos mais complexos e recheados momentos fortes, pesados e
emocionais também e as letras continuavam como antes.
A banda nessa altura já havia conquistado uma
posição sólida no cenário, ou seja, os álbuns eram aclamados junto à impressa e
aos fãs e os shows muito concorridos, a criatividade atingia níveis
estratosféricos e nessa esteira vinham álbuns cada vez mais fortes e o mais
importante todos eles tinham personalidade própria, pois tinham origem em
diferentes momento e contextos que possibilitavam essa independência, vida
própria. So que no Black Sabbath nem tudo eram flores, pois Tony Iommi estava
exausto em 1974, pois a turnê havia exaurido o guitarrista e ainda soma-se a isso
as tensões, o stress que não atingiram apenas o guitarrista, pois era consenso
entre todos os demais membros que deveriam dar uma pausa para recarregar as
baterias. Durante o período de férias, os integrantes encontravam-se em suas
casas na Inglaterra e como tudo o que é bom termina rápido, os caras receberam
uma oferta irrecusável para tocar no festival canadense California Jam cujo
cast contava com nomes como o Deep Purple (que se apresentou o MK III) e o ELP,
e lá tocaram para um público gigantesco, ou seja, eram trezentos mil pagantes
na plateia.
Em meio a tudo isso existia a guerra de egos
entre Osbourne e Iommi, o guitarrista foi literalmente obrigado a demonstrar
simpatia ao interagir descontraidamente com o público presente, essa história
infelizmente terminou em 1979, com a debandada de Ozzy que ingressou em uma bem
sucedida carreira solo nos anos de 1980. Enquanto nos palcos tudo corria dentro
do que se esperava do grupo fora as coisas eram bem diferentes, pois o
relacionamento com o empresário Patrick Meehan havia se desgastado, pois ele é
quem controlava as finanças e recaíam suspeitas de que ele estava passando a
mão na grana, pois quando perguntado sobre os reais valores sempre mudava de
assunto se esquivando de dizer a verdade para o grupo.
A entrada de Meeham como empresário aconteceu
em 1970, pois Jim Simpson que era no empresário do grupo no começo segundo a
banda já não conseguia mais fazer o seu trabalho e nessa época já haviam sido
lançados os dois primeiros álbuns, muito bem sucedidos. Então Meehan entrou
para fazer a diferença, pois era ele o homem que levaria a rapaziada de
Birmingham a outro patamar fazendo com que eles vendessem horrores e que
estivessem na ponta da língua da rapaziada e nos toca discos mundo a fora, e só
para se ter uma ideia da força do trabalho, ou seja, da capacidade do
empresário os três álbuns posteriores a Paranoid entraram no Top 10 das paradas
britânicas e no Top 20 na América do Norte, Estados Unidos e inclusive foi ele
quem os levou para a lá, a terra prometida, pois lá prosperaram tornando-se
proprietários de casas e carros de luxo e também torravam muita grana!
Só que apesar dessa prosperidade, a relação
entre eles Meehan foi para o espaço em definitivo devido ao caráter autoritário
do empresário e logo ao termino da apresentação no festival canadense decidiram
demiti-lo. Só que essa atitude não foi aceita por Patrick e esse fato acabou
gerando um processo que tramitaria nos tribunais norte americano onde ficaram
vários meses de audiências com negociações longas, reuniões com advogados que
mais atrapalhavam do que fato ajudavam contribuindo para atrasar o fim do
processo. Essa atmosfera negativa que pairava sobre o grupo os afetaria
profundamente e obviamente refletiria no seu novo trabalho de estúdio que não
por acaso viria a chamar-se Sabotage.
O processo de produção e gravação claramente
tumultuado devido ao trânsito do processo, pois quando não estavam em estúdio
estavam discutindo os detalhes da ação com os advogados ou quando não estavam
sentados no tribunal no meio das audiências. O som obviamente seria ainda mais
pesado, o local escolhido foi novamente o Morgan Studios, em Willesden,
Londres, onde permaneceram por longos quatro meses, ou seja, os trabalhos
começaram em fevereiro de 1975. O produtor assim como estúdio também foi
repetido, Mike Butcher que havia trabalhado no álbum anterior estava de volta
para mais uma empreitada sabatiana.
Os
trabalhos eram realizados em meio de bebedeiras e muita maconha e de montanhas
de cocaína, pois devido aos atrasos e a existência de um bar dentro estúdio e
como as gravações começavam regularmente às nove horas, pois era a hora em
todos se reuniam, e terminavam apenas no dia seguinte, porém apesar dos
excessos os caras conseguiam fazer tudo como manda o script, mas só uma vez que
este falhou, pois como a sessão de gravação feita era ao vivo e os caras pediam
para Ozzy cantar por cima um desses dias ele apagou de tão bêbado que estava e
por isso não possível fazer os trabalhos naquele dia.
Os planos de Tony Iommi e seus comparsas era
lançar um disco diferente de Sabbath Bloody Sabbath, ou seja, um que fosse
exatamente direto ao ponto, mais furioso e sem todas aquelas experimentações
como no faixa Who Are You? que contava com a participação de Rick Wakeman e nem
as orquestrações comuns ao rock progressivo, pois ao invés de optarem por
seguir um caminho essencialmente técnico os caras queriam um disco de rock que
expressasse os sentimentos presentes naquele momento pelo qual passavam, mas na
verdade, ou seja, no final das contas o álbum também trouxe várias
experimentações, era bem variado cujo som saia-se bem no contexto geral.
O disco é incendiário do começo ao fim e logo
de cara “Holy in the Sky” uma bordoada ensurdecedora que estoura os tímpanos e
esmaga os miolos com os riffs matadores de Iommi fazem o ouvinte entrar na
realidade com as letras de Geezer Butler cantadas por Ozzy que se faz parecer
um trovador do apocalipse cantando sobre os males, os vícios e as paixões
humanas, a tecnologia em descontrole, a poluição e no oriente tudo parecia se
posicionar contra, pois o Japão crescia economicamente, a guerra fria e a
iminência de uma guerra nuclear, os problemas no Oriente Médio mostravam uma
nova configuração da ordem política, o medo por tudo isso era ainda constante e
não sabia-se no que poderia resultar todas aquelas mudanças.
Sabotage mostra claramente um som refinado,
porém pesado e extremamente agressivo e “Don’t Start (Too Late)” é um exemplo
da fertilidade do grupo, pois os violões se entrelaçam aos riffs pesados para
criar uma estrutura sombria, épica servindo de interlúdio para “Sympton of the
Universe” outra das canções mais emblemáticas da banda e oferece um panorama
completo do que é o heavy metal, ou seja, aqui exprime-se de “a” a “z” o que é
o peso, melodia e agressividade e acima de tudo é uma aula de como fazer uma
composição com começo, meio e fim. Nada mais apropriado para narrar os sintomas
do universo, o amor sem culpa, a crença sem pecado, ou seja, natureza humana
despida, nua a flor da pele revelando seus desejos, o seu destino, futuro não
obstante.
Fechando a primeira parte vem “Megalomania” é
a mais poderosa e psicológica das faixas já registradas pelo grupo, as vozes de
Ozzy vem do fundo do coração e narram às desventuras, ou seja, as armadilhas do
mundo moderno, do sucesso e das trapaças, o jogo sujo e insano jogado com toda
crueldade pelo opressor contra o oprimido e a fúria, a tensão emanada de todos
eles põe o coração, alma para fora e reflete o espírito sombrio que os cercava
e revelava o tão visceral e carnal era o lance, o lance aqui é dizer o mesmo
que dizia Maquiavel “o homem é mau por natureza”, ou seja, não há salvação e
nem esperança, pois tudo isso ai é hipocrisia.
“The Thrill of It All” parece na verdade uma
sessão de terapia. Entre riffs, partes acústicas e climas sombrios e mais
amenos tudo aqui faz parecer que a banda estava no divã, a letra fala de todos
os sentimentos e das insatisfações, ou seja, das emoções disso tudo e da crença
na humanidade, o destino na selva de pedra e das traições experimentadas, a
busca de um sentido pleno de liberdade. Os momentos pesados se alternam a
outros melódicos proporcionados por Tony Iommi e realmente parece ser um disco
dele e demais ninguém, ou seja, tem-se a impressão que os outros apenas foram
coadjuvantes. “Supertzar” reforça a mística a velha bruxa, os riffs, os coros
da English Chamber Choir parecem uma espécie de trilha sonora para o final do
mundo.
“Am I Going Insane (Radio)” não tem nada
haver com qualquer coisa for à do contexto, ou seja, das circunstâncias em que
o Black Sabbath se encontrava, ou seja, aqui é uma biografia de Ozzy Osbourne,
a letra já deixa bem claro quem era o Mr. Madman e qual era o seu ritmo de vida
como ele mesmo fez mostrar, pois: “ Todos os dias eu sento e desejo saber/Como
minha vida costumava ser/Agora eu me sinto afundando/Agora minha vida é dura de
se ver/Então diga-me pessoal, eu estou ficando louco?/Diga-me pessoal, eu estou
ficando louco?”.
Fechando de uma vez a sessão de terapia vem
“The Writ” cuja letra é um ataque direto a Patrick Meeham, ou seja, era um
desabafo daqueles de deitar no divã e ficar horas a fio falando, falando e
falando coisas do tipo:"Que tipo de pessoas você acha que somos?/Outro
palhaço que é uma estrela de rock and roll por você/Só por você [...] Você
comprou e me vendeu com suas palavras mentirosas/As vozes no convés/Que você
nunca ouviu, passaram/Sim passaram/Sua estupidez finalmente conseguiu se
divertir com uma arma/Um pai envenenado que envenenou o próprio filho/Que é
você, sim que é você”.
O disco foi lançado em 27 de junho de 1975, a
recepção foi calorosa, pois a revista norte americana o elegeu como o melhor
disco que a banda já havia gravado, mas nas paradas as coisas não refletiram o
passado recente, pois apenas vigésima oitava posição foi alcançada na terra do
Tio Sam, mas na terra natal as coisas foram diferentes, pois por lá a bolacha
rendeu a sétima posição nos charts. A capa do disco é horrorosa, Ozzy trajando
um quimono, Bill Ward uma meia calça que pegou emprestada de sua esposa,
enquanto, Geezer e Iommi ostentavam um inexplicável visual brega, ou seja, um
parecia um cafetão e o outro parecia uma espécie de mágico de circo.
Sabotage fecha uma era de ouro na carreira
dos quatro cavaleiros do apocalipse e dá a resposta para uma série de lacunas
que ficaram abertas não apenas musicalmente falando, mas também pelo lado
obscuro e sombrio da mente humana porque a banda sabia muito bem o mundo que
enfrentava e tinha clara percepção do mundo, ou seja, conseguia através de suas
canções passar a sua interpretação e explicar visão singular da realidade
aterrorizadora. Não há mais o que explicar sobre o álbum e sua concepção de
mundo, porém há um ressalva, ele é poético de uma maneira singular e também
sombrio e realista sobre o mundo, o quanto podemos nos transformar e talvez
transcender e por isso uma poesia deve combinar levando em conta tudo o que foi
dito.
Buraco No Céu
Estou olhando por um buraco no céu
Estou vendo lugar nenhum pelos olhos de uma
mentira
Estou chegando mais perto do fim da linha
Estou vivendo fácil aonde o sol não brilha
Estou morando num quarto sem qualquer vista
Estou vivendo de graça pois o aluguel nunca
vence
Os sinônimos de todas as coisas que eu disse
São apenas os enigmas construídos em minha
cabeça
Buraco no céu, Leve me ao paraíso
Janela no tempo, Através dela eu vôo
Eu vi as estrelas desaparecerem no sol
A caçada é fácil se você tem a arma certa
E embora eu esteja sentado esperando por
Marte
Eu não acredito que haja algum futuro
Buraco no céu, leve me ao paraíso
Janela no tempo, através dela eu vôo
Yeah
Eu vi os cães de guerra desfrutando o
banquete deles
Eu vi o mundo ocidental descer em direção ao
oriente
O alimento do amor se tornou a cobiça do
nosso tempo
Mas agora estou vivendo nos lucros do orgulho
Black Sabbath
Os Materiais
O mundo se encheu de entretantos,
de infundados temores e dor,
mas tem-se de reconhecer que sobre o pão
salobro
ou junto de tal ou qual iniquidade
os vegetais, quando não foram queimados,
continuaram florescendo e repartindo
e continuaram seu trabalho verde
Não há dúvida que a terra
entregou a duras penas coisas
de seu baú que parecia eterno:
morre o cobre, soluça o manganês,
o ferro se despede do carvão
o carvão já fechou suas cavidades
Agora este século deve assassinar
com outras máquinas de guerra, vamos
inaugurar a morte de outro modo,
mobilizar o sangue em outras naves
Pablo Neruda
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